Texto

Texto 2005

Elizabeth Leite - 2005Elizabeth Leite - 2005

 

 

PROCESSO DE TRABALHO


O processo de trabalho de Elizabeth Leite desenvolve-se em atelier entre dois ou três trabalhos em curso simultaneamente.
O trabalho não flui apenas com a dedicação exclusiva a uma só tela. Com um processo simultâneo entre as várias telas e com a utilização e características das tintas de óleo, os trabalhos vão sendo construídos e concluídos em tempos muito próximos.
Alguns desses trabalhos podem, inclusive, ficar incompletos, descartados pela artista que os dá como falhados na sua finalidade imaginada. Outros acabam por ficar pendentes durante algum tempo, até que adquiram uma ideia mais com maior sustentabilidade ou um rumo mais definido. Mas há, ainda, um ou outro trabalho que pela fluência criativa, pela relação pessoal e emotiva, acaba por deter temporariamente maior dedicação construtiva.
Nas grandes telas em que concretiza o seu trabalho surgem temas e assuntos que não se conseguem esgotar numa só obra, por isso, é frequente o ressurgir do mesmo tema ou ideia em vários trabalhos, ora como cenas principais, ora como referencias secundárias, ou mesmo, como apontamentos que explicam ou complementam um conceito ou processo de pesquisa.


Pelas palavras de Elizabeth Leite “O conjunto de trabalhos, ou cada um deles, é a consequência de uma ou várias ideias, que ocupam lugar e ganham forma, no atelier, na tela.
É um jogo, é uma experiencia onde faço e refaço, não só para fazer melhor, mas por necessidade de repetir qualquer experiencia que superou o esperado, o visível.”
Define também em cinco palavras o seu processo criativo: “Questionar, compreender, desafiar, estimular, encontrar-me.” Complementando este processo dizendo que “as ideias surgem por algo que ouvi, vi (inesperadamente) ou simplesmente procurei. São memórias! É a vida!”


Estas ideias e memórias, vivencias, são registadas em papel sobre a forma de texto ou através de breves esboços/desenhos que apenas servem para capturar a ideia, a cena ou o modelo que foi pensado.
Este ideário da imaginação e a vida real são os seus recursos primários, que a levam à concepção da obra.
Outro instrumento de grande importância no seu processo de trabalho é a pesquisa com recurso à fotografia.
Através da composição de encenações com personagens do seu quotidiano, animais e outros elementos pontuais e especificios a artista trabalha a luz, constrói e desconstrói a narrativa habitada, por vezes num caos organizado.


“Fotografo coisas, situações e pessoas, muitas vezes sem qualquer razão aparente. Fotografo para guardar, guardar experiencias e “visões” como se de uma memória externa se tratasse. Sei (ou, nem sempre sei) que tenho numa pasta, material diversificado (pessoas, animais, sítios, acções,…) guardado, que posso utilizar a qualquer momento.
Fotografo para guardar, observar, analisar, (re)produzir.
Fotografo para compor.
Fotografo para tornar visível uma ideia.”


Por vezes, entre obras em curso e todo o processo criativo, a própria artista surpreende-se a si mesma. Após a montagem e maquetagem de todos os elementos definidos e seleccionados para determinado trabalho, durante a criação, na tela, a composição idealizada segue um rumo que leva a artista a outras possibilidades, composições, influenciando a própria narrativa mas mantendo o mesmo tema. Fervilha a imaginação e a necessidade de contar e/ou mostrar mais alguma coisa, ou de alguma outra maneira. Abrem-se novas portas para novos trabalhos, enquanto proporciona diferentes resultados no trabalho em curso.
Entre imagens simbólicas, personagens familiares e temáticas quotidianas encontram-se recorrentemente referências ao cinema, à dança, ao teatro, à musica, e às histórias populares. Nas suas obras são pessoas reais, amigos, conhecidos e familiares que ajudam a retratar a sua vida intima, social e até psicológica. Mas numa outra linha de pensamento/trabalho encontramos pessoas que a artista procura como forma de pesquisa.
As pessoas que pesquisa são procuradas e abordadas por uma razão especial. Também ela (a artista) condicionada fisicamente desde criança pela perda do braço esquerdo, vê-se atraída pela relação pessoal e/ou publica do aspecto físico intimamente relacionado com conceitos e/ou preconceitos psicológicos individuais e sociais. Obesidade, velhice e deficiências foram alguns dos temas já abordados, outros houve, contudo na tentativa de passar à prática a artista acabou por abandonar alguns trabalhos, porque, algumas questões físicas e psíquicas são difíceis de transportar de forma coerente e com a dignidade da interpretação que deve existir entre a representação e a realidade inserida do espaço da tela.
Em suma, a artista busca insistentemente as relações possíveis entre a vida e a pintura: “Quando pinto transformo a minha existência pessoal em algo que partilho com os outros, pois pintar é também um meio de contar histórias, já que conto, pinto histórias, construo personagens, solto fantasmas e fantasias. Tudo cresce da realidade material de pintar e do seu fazer.”

2012