Sílvia Chicó

Elizabeth Leiteizabeth Leite: Pretextos para pintar

Pujança, ousadia, e capacidade provocatória, são as características da arte de Elizabeth Leite, pintora que com invulgar profissionalismo, vai marcando já uma presença indelével no panorama da jovem pintura portuguesa

A arte de Elizabeth Leite aproxima-se de uma tendência progressivamente afirmada na arte actual, que convoca uma vez mais Realismo e Expresssionismo para referir situações dramáticas da sociedade contemporânea. A reflexão sobre realidades cruas, como a solidão, velhice, a quase alienação, que podem sentir-se nas personagens de Elizabeth Leite, são um exemplo desse drama, expresso em figuras retratadas em ambientes onde os imperativos estéticos são voluntariamente ausentes, e onde um certo abandono se pode sentir.

  Doença, deformação fealdade, são temas que com que a jovem autora voluntariamente se defronta, nos retratos que atravessam as séries que tem produzido. É esse o clima na obra da pintora, que, com notável coragem, trabalha telas de grandes dimensões, obtendo com a estridência das cores contrastantes uma intenção provocatória, quase agredindo o espectador. Pode falar-se de humor, apesar de algumas personagens se encontrarem em situações quase grotescas? Cremos que não. Entre a compaixão e o desvario, as personagens de Elizabeth Leite remetem para um mundo em que progressivamente o surreal se vai insinuando e, penso não arriscar muito, se disser que a artista vai brevemente explorar um filão próximo do fantástico, intrigada que está com a desmesura e a força anímica dos seres que pôs no mundo. Personagens que, tal como na escrita literária, acabam por arrastar o seu criador, levando-o a lugares insuspeitáveis.

Sob o ponto de vista formal, é muito interessante o tratamento cromático que a autora dá à sua pintura. Contrastes violentos, cores que desafiam as regras clássicas da harmonia cromática da pintura europeia, a par de uma grande liberdade gráfica, em que o gesto rápido (à boa maneira expressionista) se faz sentir, constroem uma dualidade perfeita com a semântica dos quadros.

Porque os retratos são, de facto, o pretexto pictórico, tal como a artista diz, desta exposição. São temas para uma pintura em que a truculência formal se coaduna com um enorme dinamismo e uma rara coragem de existir. São desafios às convenções e manifestam a forte personalidade da autora, interpelando o espectador convencional, convidando-o a pensar na pintura como algo mais do que um objecto agradável.

É pois, com muito prazer, que apresento a obra de uma pintora, que creio seriamente ser um valor seguro da jovem arte portuguesa.

 

Texto de Sílvia Chicó
Lisboa, Maio de 2007