ENCENAÇÕES PERMANENTES
O calor é uma bola amarela
Com duas mãos que nos sufocam a garganta
O vento é uma bola azul
Com duas mãos que abanam e refrescam
O medo é uma cinzenta
Com duas mãos que nos irritam ao fazerem cócegas nos joelhos
Elizabeth é uma imagem na água
Com uma mão mágica que desaparece ao toque enérgico
E logo aparece cintilando em vidrilhos de todas as cores
Elizabeth/Pintora
Parte-se do princípio de que o trabalho de Elizabeth não é efémero. Trata-se de um registo técnico que perdura pelos tempos. Óleo. Pinceladas. Tonalidades. Contrastes. Já está. É isto.
Não.
A pintura de Elizabeth Leite tende para o efémero à medida que se vai vasculhando e preenchendo. Debaixo de uma cor forte está uma forma. Por detrás de um traço está uma emoção que só se descobre no dia seguinte. São histórias que não acabam no primeiro olhar. São confidências que não se evaporam no primeiro trago de aroma. São recados que não se escutam ao de leve. Marcas profundas que perduram. Confrontos. Desafios. Palavras mudas. Eloquências.
As luzes de presença apagam-se e os projectos mostram o palco já cheio de acessórios necessários à cena.
Não há personagens num cenário vazio onde cada um pode imaginar o que as envolve. É um cenário cheio de sentidos acompanhados de formas que fazem cintilar os nossos mundos mais imaginários ou mais realistas. Burlescos. Os figurinos bastam-se. Quase não são precisos a favor da nudez de alma.
A caracterização é abundante. Quase violenta. Numa paleta vigorosa que descobre os segredos das idades.
A sonoplastia usada é um jazz desconhecido que escorrega pela pele.
A linguagem verbal usada pelos actores quebra o previsível. Rupturas. Choques. A linguagem corporal é dinâmica e sincopada para melhor sentirmos os laços.
Ei-los. Actores num conflito crescente onde o clímax dramático se multiplica em cada canto.
E ele diz
Eu sou o verbo que tu és
Navego remo corro nado chafurdo desbravo destapo defendo protejo encorajo rio sinto abraço beijo aperto respiro molho limpo lavo tapo destapo compro pago sofro cheiro arrisco atiro assumo engulo abafo dou forço abro fecho deleito acuso acredito aceito entrego escondo aclaro danço canto sensualizo escolho alimento cresço encolho temo sacudo enteso ilumino
Afago dejecto observo alcanço penteio ajeito aguardo esqueço importo organizo viajo sonho adormeço acalmo agito reparto comungo deito trabalho surpreendo esforço assusto conduzo recuso pago partilho adoro rezo calo embalo sacudo emudeço guio obedeço aprendo ensino dispo visto salivo adiro capto cativo acamo peso delicio arrombo domo suspiro arfo vigio escuto acaricio molho transpiro aqueço arrefeço e gosto.
E ela responde
No bolso trazes lâmpadas que só os cegos vêem
Parte-se do princípio de que o trabalho de Elizabeth Leite é efémero?
Nas emoções talvez. Para lá do visível.
Porque todos os dias lhe acrescentamos algo.
Alice Pinho e Duarte Morgado
Março 2009