texto crítico 1

Exposição de Elizabeth Leite

Fundação Bissaya Barreto, Coimbra.

 

Texto de António Vilhena, 2006.

 

 

Quando somos convidados a ver uma obra de arte, é aos sentidos que apelamos, é à imagética, às aprendizagens e vivências que recorremos para soletrar a dádiva do artista. A estética oculta-se muitas vezes na técnica e um rebuscado exercício de composição não é garantia de sucesso para o olhar.

Às vezes, basta que nos embriaguemos com a percepção, basta que a cumplicidade, que está para lá de todos os conceitos e teorias ensaiadas, estabeleça uma ponte com a obra do artista, uma empatia, como se uma nódoa permanecesse nos sentidos.

É isto que acontece com a pintura da Elizabeth Leite. Uma tela é um imaginário salpicado de fantasias onde o simbólico perscruta, sem intrusão, na intimidade dos afectos. O realismo quase fantástico e as imagens estilísticas aconchegadas pela cor convidam-nos a descodificar cenas de um quotidiano onde habita gente normal. As alegorias tratadas remetem-nos para um Eu feminino, interessante explorado pela Pintora: a obesidade.

As dimensões das telas trabalhadas impressionam, mas o primeiro impacto da sua pintura reside na doce delicadeza com que aborda os excessos do corpo feminino, sem tabus e sem pudor. A beleza moderna e suas medidas anorécticas, merecem-lhe uma reflexão crítica, principalmente, ao escolher modelos que se afastam do mundo das barbies.

Depois de conhecermos a obra de Elizabeth Leite a nossa vida nunca mais é a mesma, somos acicatados pela agradável inquietação de uma pintura que nos confronta e nos questiona; somos levados pelas constelações metafóricas, pela volumetria das formas, pelo rigor plástico. Cada obra da autora encerra um universo numa pétala de filigrana, é um arco tenso de emoções à beira de um cais, um desassossego que se perpetua no olhar. Está exposição será, seguramente, um dos acontecimentos culturais de grande qualidade da Fundação Bissaya Barreto. Mas, o futuro irá confirmar o talento e a arte de Elizabeth Leite.